Em Cardoso Moreira Uva prospera na seca da região

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Quem trafega pelas estradas das áreas rurais da região nesses tempos de seca extrema, assiste a um cenário desolador: em muitos trechos, a areia do fundo do Paraíba do Sul está exposta, o verde da vegetação tornou-se amarelo, o gado está magro como nunca e o que todo mundo pensa é como o setor agropecuário poderá sobreviver diante desse quadro. Na estrada que liga Cardoso Moreira ao distrito de Doutor Matos a realidade não é diferente. E então, quatro quilômetros depois, em uma região chamada Silvado, o viajante se depara com o contraste: à direita, o verde aparece. No sítio há manga, tangerina e, surpreendentemente, dois hectares inteiros de uva. Algumas ainda verdes, em fase de crescimento, outras rosadas, prontas para serem colhidas e chegarem à mesa do consumidor. “Não é verdade que a uva gosta do frio, como muita gente pensa. Ela gosta é do sol”, desmistifica o produtor Antônio Brandão. Este primeiro sítio, na verdade, é a maior demonstração de que a ideia pioneira deu certo. Ele veio depois.

O primeiro, quatro quilômetros adiante, onde Antônio vive com a mulher, Maria Célia Juannes, foi onde tudo começou. Ali há mais 1,5 hectare de uva niágara rosa. Em ambos os sítios, um sistema impressionante de irrigação, com reserva de água de chuvas e poços artesianos. “A gente faz gerenciamento da água, controle dos fungos, planeja cada etapa e foca na prevenção para fazer dar certo”, completa Maria Célia. E deu.

Desde a experiência, que começou em 1999 com a uva itália, passando em 2002 para a niágara rosada, até hoje, os números revelam o sucesso da empreitada: nos dois últimos anos as duas propriedades produziram 70 toneladas de uva. Para este são 90 e em 2015 a meta é chegar a 120. Os atuais 20 empregos gerados, com direito até a participação nos lucros, vão aumentar. O mercado consumidor também. E há demanda. Nenhum cacho deixa de ser vendido.
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Maria Célia nasceu na região. O sítio do casal foi comprado da família dela. Ela deixou o interior ainda jovem, cursou ciências contábeis, fez mestrado em economia e trabalhou com estudos de viabilidade financeira para grandes projetos de telecomunicações, energia e rodovias, entre Rio, São Paulo e Brasília. Antônio, natural de Guarapari (ES), é advogado e lecionou geografia durante anos. No final de da década de 90, o casal sem filhos decidiu deixar tudo para trás e embarcar no projeto da fruticultura. E queria algo diferente. Daí a opção pela uva. Antônio e Maria Célia não contaram com nenhum financiamento governamental, mas recorreram à ajuda técnica da Embrapa, Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro e Pesagro. Visitaram produções de uva em Jales (SP), Juazeiro (BA), Petrolina (PE), Janaúba e Pirapora (MG) e no Chile. Juntaram toda a pesquisa às suas próprias habilidades profissionais, fizeram contas, investimentos e começaram o trabalho.

A uva itália, de origem europeia, com o tempo mostrou-se desinteressante. É mais suscetível aos fungos e seu custo para o mercado não é tão atraente. Mais estudos, pesquisas, apoio técnico e Antônio e Maria Célia mudaram para a niágara rosada, qualidade de uva da região dos lagos entre o Cadaná e Estados Unidos. Os números em reais não são revelados, mas a margem de lucro fica entre 40 e 50%. “Vale a pena. Claro que hoje teríamos metade do custo que tivemos no início. Mas esse é o preço do pioneirismo. E a gente faz questão de compartilhar essa experiência”, diz Maria Célia, que disponibiliza informação técnica para quem quiser. A ousadia da primeira produção de uva do Estado do Rio já rendeu teses de mestrado e graduação e incentivou novos projetos: hoje há um estudante de agronomia produzindo em São Fidélis e um casal norte-americano também produz em Santo Antônio de Pádua.

Um terço do que o casal produz, e já sai embalado do sítio, é comprado por uma rede de supermercados de Campos, mas a distribuição também é feita para todo o Norte e Noroeste Fluminense, Região Serrana e Espírito Santo.

Gerenciar a água da chuva é fundamental
A seca histórica deste ano preocupa, mas não chega a atrapalhar a produção. Tanto que em 2014 serão 20 toneladas a mais que no ano passado. Mas desta vez a tecnologia empregada para armazenar água da chuva durou pouco. Desde julho o lago está seco e o sítio passou a contar com seu poço artesiano. São 60 mil litros de água por dia para a irrigação. A bomba joga a água para um lago, em um processo que atravessa a estrada e vai da margem direita para a esquerda.

Mas o segredo para manter a produção em tempos de estiagem é o planejamento, a vigilância dos índices pluviométricos e a infraestrutura. No sítio o casal tem internet por rádio e toda a tecnologia necessária para pesquisar e dialogar com os clientes.

Reportagem: Júlia Maria de Assis
Foto: Silésio Corrêa 

Fonte: Folha da Manhã 

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